quinta-feira, 27 de maio de 2010

Uma usina de inovações

Com dinheiro de renomados investidores de risco internacionais e grupos brasileiros, a Amyris prepara-se para inaugurar a era das biorrefinarias no país.

Localizada no município de Quirinópolis, no sudoeste de Goiás, a usina Boa Vista é hoje um dos melhores exemplos do que esse setor pode esbanjar em termos de modernidade e excelência. Inaugurada em 2008 e integrante do grupo São Martinho, um dos maiores produtores de açúcar e álcool do país, a Boa Vista tem sua colheita 100% mecanizada e, por isso, não utiliza queimadas. No estado de São Paulo, a média de mecanização dos canaviais não passa de 55%. Toda a energia consumida é gerada pela própria usina. A eletricidade vem da queima do bagaço de cana, e dois terços da produção são revendidos. A despeito disso, a Boa Vista continua sendo capaz de tirar da cana os mesmos produtos de todas as outras usinas do país: açúcar e álcool. Isso, porém, deve mudar em 2011. Uma nova tecnologia permitirá que o caldo de cana da Boa Vista se transforme em matériaprima para um leque de produtos muito mais diverso e sofisticado do que as commodities que ela hoje produz. A detentora dessa fórmula mágica, que promete levar a indústria sucroalcooleira do país a outro patamar, é a Amyris, empresa de biotecnologia americana com quem o grupo São Martinho negociou a venda de 40% da Boa Vista em dezembro do ano passado.

Com sede em Emeryville, no Vale do Silício, onde está a renomada Universidade da Califórnia, em Berkeley, a Amyris nasceu quando um grupo de cientistas recebeu da Fundação Bill e Melinda Gates cerca de 42 milhões de dólares. O objetivo do financiamento era baratear a produção de artemisina, medicamento de combate à malária. O projeto não só vingou como, durante as pesquisas, os cientistas descobriram que a tecnologia desenvolvida também poderia ser usada para outros fins. Na prática, o que a Amyris sabe fazer e que interessa ao Brasil é modificar geneticamente organismos vivos como a Saccharomyces cerevisiae, a levedura usada no processo de produção da cerveja e também do etanol. Uma vez modificada, e em contato com o açúcar, essa levedura pode dar origem a uma série de moléculas. Uma delas é o farneseno, com a qual a empresa já detém conhecimento para produzir um diesel de origem vegetal que tem desempenho semelhante ao de origem fóssil. Com outra molécula sera possível produzir combustível à base de cana para aviões e até mesmo um substituto para a gasolina comum. A combinação de açúcar e farneseno também pode render substitutos para outros produtos que hoje têm origem fóssil, como lubrificantes para carros, solventes para a indústria de tintas e compostos para empresas de higiene e limpeza. Aliando biotecnologia de ponta com a cana tradicional, a Amyris quer transformar o Brasil em pioneiro num novo tipo de negócio: o das biorrefinarias.

A tecnologia é considerada tão promissora que muitos grupos brasileiros acompanharam os grandes fundos de capital de risco americanos e também fizeram aportes na Amyris. A Votorantim, por meio do fundo Votorantim Novos Negócios, o grupo Cornélio Brennand, que tem sede em Pernambuco, e alguns investidores de menor porte também são sócios da companhia. “Visitei uma série de empresas na Califórnia”, afirma Francisco Andrade, diretor de novos negócios do Cornélio Brennand. “Nenhuma delas era tão revolucionária.” Os grupos Cosan, Bunge e a Açúcar Guarani também assinaram, em dezembro, acordos para se beneficiar da biotecnologia.

O principal centro de desenvolvimento da empresa está nos Estados Unidos. É lá que cerca de 150 biologistas moleculares se esmeram para modificar as leveduras. Estima-se que aqui haja um número semelhante de especialistas na mesma levedura — mas no país inteiro. Apesar da discrepância do lado científico, o Brasil é essencial para que o projeto da Amyris se concretize. A empresa precisa de açúcar abundante e barato o suficiente para dar escala à sua produção. É a cana, mais que qualquer outra cultura, a fonte que oferece a melhor relação entre potencial energético e custo. Além disso, para tornar factível a tal produção em escala, também é preciso ter um conhecimento tecnológico há décadas desenvolvido por aqui. “Pensamos em países como Índia e Indonésia, mas nenhum outro lugar conhece tão bem a cana-de-açúcar”, diz o executivo belga Roel Collier, de 36 anos, responsável pela operação da Amyris no Brasil.

A operação está sediada em Campinas, no interior de São Paulo, local estrategicamente escolhido por estar próximo da Unicamp, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), ambos em Piracicaba.

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